Permanecei em mim e eu permanecerei em vós

\”Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos\” (Jo 15,8).

O termo \”discípulo\” aparece cerca de 250 vezes no Novo Testamento, tanto para expressar os que seguem Jesus, como os seguidores de outros mestres.

Aos seus discípulos, Jesus pede uma adesão total e incondicional: É preciso abandonar pai, mãe filho, filha (cf. Mt 10,37), tomar a cruz, segui-lo e estar disposto a dar a vida por ele (cf. Lc 14,26).

Os discípulos de Jesus devem ser suas testemunhas. Ele é o único tronco capaz de comunicar a vida de Deus: \”Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor\” (Jo 15,10).

A palavra do Evangelho, há pouco proclamada, coloca-nos em conexão com o retiro que ontem realizamos, tão bem conduzido pelo Sr. Cardeal Cláudio Hummes. A Palavra de Deus que acabamos de ouvir ilumina nossa caminhada rumo à Conferência de Aparecida.

Com extraordinária atualidade, o tema da próxima Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe coloca em ênfase o discipulado. Acolhendo sugestões que lhe foram apresentadas. O Santo Padre Bento XVI assim definiu o tema da Conferência de Aparecida: \”Discípulos e Missionários de Jesus Cristo, para que n´Ele os povos tenham vida\”.

E o Papa acrescentou as palavras de Jesus: \”Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida\” (Jo 14,6).

A expressão \”discípulos\” certamente é uma das novidades da V Conferência e indica a necessidade de nos voltarmos para os sujeitos da evangelização. O Senhor Jesus nos garante: \”Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim\” (Jo 15,4).


O que ouvimos há pouco no Evangelho, nos faz entender que a missão brota do encontro com o Senhor e só se sustenta na íntima união de vida do discípulo com o Mestre: \”Permanecei em mim e eu permanecerei em vós\” (Jo 15,4). Nessa união, o discípulo encontra a força e o estímulo para enfrentar os enormes desafios da missão: \”Aquele que permanece em mim e eu nele esse produz fruto; porque sem mim nada podeis fazer\” disse Jesus (Jo 15,5).

Guiado pelo Espírito de Deus, o discípulo de Jesus é levado a se integrar na comunidade de seus seguidores. Na primeira leitura, nós ouvimos que \”Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos\” (At 9,26). Diante do medo da comunidade em acolhê-lo, graças ao testemunho de Barnabé, \”daí em diante, Saulo permaneceu com eles em Jerusalém e pregava com firmeza em nome do Senhor\” (cf. At 9,27-29).

O verdadeiro discípulo anuncia, não só com palavras, mas sobretudo com gestos e testemunho, o Senhor da Vida, morto e ressuscitado. Ouvimos na segunda leitura: \”Este é o meu mandamento: que creiamos no nome de Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu. Quem guarda os mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele\” (cf. 1Jo 3,23-24).

A situação que vivemos na América Latina, neste início do terceiro milênio da era cristã, exige dos discípulos de Cristo uma atitude firme, clara e corajosa \”para que n´Ele os povos tenham vida\”.

Como pastores, não podemos ficar indiferentes diante da situação de pobreza que deixa à margem grande parte da população de nosso sub-continente. São muitas e bem conhecidas as carências, que já se tornaram crônicas, no campo do trabalho, do emprego, da educação, da saúde, da habitação. Verificamos com tristeza como são tratadas as questões sociais por parte de muitos governos de países latino-americanos e caribenhos. É doloroso constatarmos como em sua legislação sobre a vida e a família nossos países se afastam cada vez mais dos princípios éticos e cristãos. É um escândalo a corrupção que tomou conta do poder legislativo, executivo e judiciário em muitos dos nossos países.

O fenômeno da globalização, mesmo com tantos aspectos positivos, não deixa também de trazer consigo muitos elementos negativos tais como o tráfico de pessoas humanas e de drogas, e a falta da globalização da solidariedade.

Preocupa-nos o êxodo de muitos católicos que deixam a Igreja e partem para outras confissões ou entram para o rol dos que se declaram sem religião. Diante desses e outros desafios, o discípulo de Jesus não pode deixar, à luz da evangélica opção pelos pobres, de colaborar na construção de uma sociedade justa e solidária. Ouvimos na primeira carta de S. João: \”Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e verdade!\” (1Jo 3.18).

\”Nisto meu Pai é glorificado\” (Jo 15,8).

Sim, o Pai é glorificado quando os ramos, unidos à Videira, produzem os frutos da justiça, da verdade, da solidariedade, do amor, da fraternidade e da paz. É muito conhecida a afirmação de Santo Irineu: \”A glória de Deus é o ser humano vivo, e a vida do ser humano é a visão de Deus\” (cf. in LH p. 1385).

A Eucaristia que celebramos é sinal sacramental dessa nova realidade: Deus é glorificado neste Sagrado Banquete onde, sem exclusão e sem discriminação, filhos e filhas se sentam ao redor da mesa do Pai. Ao mesmo tempo, a Eucaristia é anúncio escatológico dos bens futuros e definitivos na visão de Deus. Que se cumpram em nós as palavras que hoje o Senhor nos transmitiu: \”Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado. Que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos\” (cf. Jo 15,7-8). Amém!

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