Eu gostaria de puxar um pouco na mesma direção do que foi apresentado por Dom Alberto e por monsenhor Jonas. Dom Alberto falava a respeito da nossa vocação, e vocação quanto aos eleitos, escolhidos e suas conseqüências. E monsenhor Jonas, de forma testemunhal, nos falava da necessidade de viver a santidade a partir disso, de tomar uma posição a partir disso. Gostaria de refletir com vocês a respeito da vocação, da eleição e também a respeito da Encíclica do Papa Bento XVI publicada recentemente. [Leia a Encíclica na íntegra]
Sou da "raça" de padres que vocês mais admiram. Sou reitor do Seminário de Cuiabá (MT). Sou formador desde que me ordenei, e gosto do que faço justamente porque sei da alegria e da realização que é ser padre.
Acho que eu poderia ser outra coisa na vida, mas não sei se minha vida seria cheia de sentido como é. Não teria coração para ser outra coisa. Sou padre por misericórdia de Deus e faço questão de seguir o 'Renasem' todos os anos porque gosto de confirmar na vocação vários de vocês que se sentem chamados, mas também os desanimados, pela crise na qual a Igreja se encontra. O Papa Bento XVI falou dessa crise: "A atual crise de fé sem dúvida alguma encontra suas raízes na esperança". Os filhos da Igreja estão em crise, e em crise de fé.
Muitos de vocês – nos momentos de oração e testemunho vividos aqui – choraram. Mas também vamos ser sinceros, muitos de nós olhamos para a vocação à santidade com ceticismo. Muitos de nós olhamos para a santidade como um navio que naufragou. Muitos de nós porque somos seminaristas e porque vivemos no meio do clero – e, sobretudo a crise de que o Papa fala é uma crise do clero, porque o povo de Deus é bom. E somos nós que ao deixarmos de sonhar com a santidade levamos a Igreja para o 'buraco'.
"Ser padre santo é algo que sonhei, mas sonhei na infância. Que pena que o sacerdócio santo, como ouvi falar e sonhei não é possível". Eis aí o ceticismo da falta de fé e esperança na qual nós nos encontramos. Já não esperamos mais ser bons padres, quase que por comodismo ou falta de vontade, mas continuamos no caminho do sacerdócio, da ordenação. Quantos de nós ainda sonhamos e temos esperança de dizer, com sinceridade: "Eu creio no sacerdócio católico, não como ideologia romana nem como conversa ideológica da Igreja"? Quantos de nós ainda cremos que é possível a santidade no sacerdócio? E que esta está ao alcance e é real?
Existe entre nós um pecado que cresce cada vez mais. O pecado do desespero. Existem duas formas de pecar contra a virtude da esperança: A presunção – eu não espero mais, porque acho que já estou santo, já alcancei o Reino dos Céus. É a presunção. Mas o pecado da presunção não é o pecado frontal. É uma espécie de falsificação da esperança. Você acha que já e santo, que já chegou à felicidade. Você acha que já está lá, mas está aqui. Mas o pecado central contra a esperança é o desespero. É já não esperar mais, é uma cínica resignação de que ‘as coisas são assim’. Nós, desesperados, achamos isso nobre, porque temos uma ‘consciência crítica’, e você já não é mais ingênuo, já não espera mais o ‘sonho infantil’. Você cresceu, entrou no seminário, presunçoso, teve seu ‘upgrade’. Você já não é um presunçoso é um desesperado. Um ‘upgrade’ no pecado.
Olhe para trás, para a sua arrogância. Você pode dizer: ‘Quando eu for padre não vou ser assim. Quando eu for padre aí vão ver o que é ser padre’. Presunçoso! Anos depois, depois de várias quedas e de ter desenvolvido uma ‘consciência crítica’ você se convenceu de que, antes, você sonhava com a santidade sacerdotal, mas agora se convenceu de que isso não é possível. Ao refletir: ‘Afinal, as vidas dos santos são romances ideológicos, criados, para ludibriar crianças ingênuas para que elas se convençam e entrem no seminário’. Como num mundo virtual dos filmes nos quais vocês viam os jesuítas subindo cachoeiras de batina para evangelizar, vivendo o martírio.
Aí você desenvolve sua ‘consciência crítica’ e ‘vê’ que é um 'mundo da carochinha'. Que isso só acontece em filme, mas não funciona para os mortais. E você começa a negociar uma forma de ser padre em que você não precise viver esses desafios todos.
A única forma de ser padre é você, vergonhosamente, fazer seu exame de consciência no fim do dia e dizer: ‘Senhor, mais uma vez eu não fui padre segundo o seu Coração, não fui o padre que Deus esperou de mim’, e pedir perdão. ‘Amanhã, por misericórdia, vou tentar outra vez’.
Se vocês desejam ter a esperança cristã de sermos salvos – porque é essa a nossa esperança: entrar na vida eterna –, de sermos felizes, sem mancha e sem ruga, felicidade, em que não há defeito, o Papa nos recorda que isso só acontecerá no Céu. Se nós temos essa esperança, nós, que temos vocação, só teremos felicidade sendo padres. Somos padres para os outros, mas também para nós mesmos. Porque padre é um caso grave de pecador, pois para ele ser salvo tem de lidar com as coisas de Deus o dia todo. Para alguns 'pacientes' o 'serviço ambulatorial' já é suficiente; outros mais graves precisam 'ser internados'; mas o padre é caso de 'UTI', é um pecador que só se salva se passar a vida tentando salvar os outros. Quantas vezes eu só rezei, porque ia pregar! Quantas vezes eu só me arrependi de um pecado porque ouvi um confidente e vi as lágrimas dele e me lembrei do meu pecado!
Ser ministro dos outros. Nossa esperança é a esperança de salvação. E é uma virtude que não podemos nos dar. No Catecismo da Igreja Católica diz que ou ela é dom sobrenatural ou você não tem esperança, mas não quer dizer que nós devamos ficar de braços cruzados esperando. Não precisamos ficar aguardando a esperança. Existem virtudes humanas que podemos colocar em prática para que Deus nos recupere a esperança. O agricultor ara a terra, mas na hora de chover depende de Deus. Se você não 'arar e não jogar a semente', você vai ter como resultado o 'mato' ainda maior, mesmo que chova.
O que podemos fazer para recuperar a esperança? O que você e eu, cínicos, podemos fazer? O que eu, reitor, e você, seminarista, ou seja, o que eu, 'prostituto envelhecido' no pecado, mas, você, igual a mim, 'prostituto', podemos fazer para sair do pecado?
Existem duas virtudes humanas que estão ao alcance: Magnanimidade e a humildade. Quero ser bem prático. O que fazer para sair desse cinismo, desse desespero, nos quais nós clero e seminaristas nos encontramos? Magnanimidade quer dizer a consciência da grandeza da alma humana. Nossa vocação é grande. Nós fomos eleitos, escolhidos, amados. Deus me escolheu e elegeu para ser padre. Isso não é pouca coisa. Magnanimidade quer dizer recordar a grandeza de Deus.
Seminarista, recorde-se de quem você é. Recorde-se daquela primeira vocação, do primeiro amor. Deus não o tirou da sua casa para você viver na safadeza! Você não entrou no seminário para ser safado, ou viver uma vida dupla. Não! Você não entrou no seminário para a sem-vergonhice. E muitos já não se incomodam mais porque criaram 'casca grossa', não se incomodam mais com o pecado. ‘Porque aquele ideal de santidade era sonho infantil’. Cinismo não é virtude. Você não crê, e porque não crê, ridiculariza quem crê. Você não sonha, e porque não sonha, escarnece de quem espera. Lembre-se de quem você é e por que você saiu de casa.
Se hoje você quer ser padre porque terá 'emprego garantido', lembre-se de que não foi por isso que saiu de casa. Se hoje você quer ser padre e pensa em ter um caso como outros têm, também não foi para isso que você saiu de casa. Tenha pelo menos a honradez de assumir que saiu de casa por uma razão, a qual hoje é para ser seminarista.
Não deixe de ter diante dos seus olhos a figura de Jesus e de tantos sacerdotes santos. Uma multidão, que viveu antes de você, que se santificou e que está nos céus, santos, desconhecidos e anônimos. Esta multidão está no céu, pois trilhou um caminho, que você começou a trilhar, mas hoje está desviado dele. Você saiu de casa vendo um São João Maria Vianney, um São João Bosco, você saiu de casa sonhando com a grandeza de um São João Crisóstomo, um São Basílio Magno, na multidão de sacerdotes que palmilharam esse caminho antes de nós. Foi por esse caminho que você começou a trilhar, mas porque escorregava, caía no caminho e viu que era difícil, desistiu. E o demônio, inventor da teoria crítica, deu-lhe uma bela 'teoria crítica'. Você era presunçoso de que ia ser santo e achava que ia ser fácil.
Magnanimidade significa recordar que nascemos para amar. Atendi um seminarista que já estava nos últimos anos de Teologia, que me disse: “Padre, estou convencido de que a castidade cristã é impossível”. Naquele dia eu comecei a chorar… Olhei para ele e disse: “Que péssima notícia você está me dando! Você está dizendo que o amor não existe, que é impossível amar. Que desgraça ter vindo a este mundo para amar e estar convencido de que o amor não existe!”
A castidade é o amor. Se você acha que isso é impossível e se contenta com o egoísmo de usar os outros e deixar-se usar é uma pena. Magnanimidade! Viemos a esse mundo para amar. Eis a nossa vocação. Deus é amor e o amor é casto, fiel. A única forma de você não usar o outro é tendo compromisso com o outro. O caminho da santidade do celibato é amar sem possuir, nós não podemos cessar de ficar admirados com essa realidade. Nós, "pequenos vermes", cúmulo de egoísmo e instintos, materialidade, temos uma altíssima vocação, a vocação de viver aqui na terra, por misericórdia, a capacidade de amar. Grandeza da alma humana.
A outra virtude é a humildade. A magnanimidade nos puxa para a grandeza. Se tivéssemos só magnanimidade acabaríamos na soberba. Então é necessária a humildade. E isso não é um teatrinho que fazemos para as pessoas porque se você vai viver isso diante dos homens, desista, isso não existe. São João Clímaco diz: “A vaidade está em todos os lugares”. Você se orgulha de estar fazendo jejum, disfarça, come um pouco e ninguém nota que você está jejuando, mas aí você se orgulha de sua prudência. Se você quer viver a humildade na frente das pessoas, vai acabar na desgraça.
Somos capazes de nos orgulhar de tudo. Humildade não é algo que vivemos diante dos homens, mas sim, diante de Deus. Deixar que o olhar d’Ele pouse sobre nós. Quando celebrar a Missa todos os dias, e naqueles 5 segundos antes de começar você diz: “O que estou fazendo aqui? Se tivesse juízo não celebraria Missa porque não mereço celebrá-la”. É preciso saber minha miséria diante de Deus. Não somente em termos de pecado, mas como criatura saber a distância entre o Criador e eu, criatura, verme desprezível, bactéria ridícula é o que somos. Lucidez diante de Deus é saber como nós somos frágeis.
Nós caminhamos neste mundo como se fôssemos donos de nós mesmos, como se nosso ser nos pertencesse, mas não somos nada, do dia para noite viramos nada. Lembre-se de quem você é. Realismo! Não tem raça pior do que padre e seminarista que estão competindo com os religiosos (as). Mas se juntar tudo num saco…, que Deus tenha piedade! Muitos pensam: ‘Somos para além do bem e do mal. É uma raça para a qual não se deve pregar o Evangelho, porque ela já está acima do bem e do mal. Não somos mais objeto de pregação’. Contudo, na Igreja Católica não existe ninguém acima do bem e do mal. Não existe ninguém que não precise ouvir o Evangelho e se converter. E a partir do momento em que você entra no seminário e não quer mais ouvir o Evangelho você está no caminho da perdição eterna, porque ninguém o segura mais. Não há ninguém dentro da Igreja que não precise se converter, não há um na 'raça' eleita que seja especial.
Os mártires são mártires porque foi colocada diante deles uma escolha inevitável: Ou ofender a Deus e salvar a vida ou perder a vida e escolher a Deus. Jesus não era suicida. Quantas vezes Ele fugiu? Porque não somos suicidas, mas somos colocados diante de situações. Coragem é ter medo da coisa certa. O mártir tem medo porque tem medo de ofender a Deus. Existem coisas que devemos temer mais, e o maior temor é o temor a Deus, os outros temores são temores menores. A virtude da coragem diz sempre: ‘Não tenha medo de perder as coisas menores por medo de perder as coisas maiores, por medo de ofender a Deus’. Esse é o martírio.
Nós precisamos nos colocar numa posição de humildade. Eu diante de Deus sou miséria, pecador, e sou objeto de pregação do Evangelho. O Evangelho é para mim, eu preciso de conversão, eu preciso mudar, eu preciso bater no peito e dizer: “Senhor, misericórdia de mim!”. É preciso compreender isso.
Magnanimidade e humildade, isso cria uma tensão. A humildade diz que eu mereço o inferno; a magnanimidade diz que eu nasci para o céu. E nessa tensão nasce a esperança. Porque olhamos para a miséria e lembramos da misericórdia. Miséria e misericórdia precisam estar sempre unidas. Mas se você se lembra da misericórdia, mas não se lembra da miséria, e não se lembra da lama, do pecado, do egoísmo, se você não se recorda disso, a misericórdia de Deus é vã, porque ela tem como objeto os miseráveis.
Qual é a nossa vocação? Somos eleitos, amados. Magnanimidade. Mas ao mesmo tempo somos miseráveis, gente de coração duro. Agora, demos o passo da esperança, de viver dia após dia esse desafio de ser santo. O Papa nos recorda, com toda clareza, da realidade do juízo de Deus, Deus vem para julgar porque não terá felicidade eterna se Ele não pisar na maldade em nós. Deus vem julgar, vem fazer justiça, vem esmagar a maldade que há em nós. Existe gente cujo coração é muito mau, cujo coração se transformou numa mentira. Pessoas assim, tão más, possível e provavelmente vão para o inferno. Por outro lado, existem pessoas que são muitos boas, puras, santas, castas, que provavelmente vão para o céu. Mas a maioria das pessoas é como nós. Coração bom, mas também mau; somos generosos, mas também apegados; somos puros, mas também 'prostitutos'; somos obedientes, mas também rebeldes. Nosso coração é essa mistura de sim e de não.
Hoje você sabe do Amor que amou você. Nós veremos o Amor face a face, no Céu. E quando nós virmos como fomos amados, vamos olhar para nós mesmos e ver que não amamos o suficiente, isso causará a dor, a dor do purgatório. É uma dor alegre de saber que se é amado, mas dolorosa por saber que não amou o suficiente. A maioria de nós será salvo assim. A maioria de nós irá para o purgatório. No purgatório já estaremos salvos.
O juízo de Deus nos enche de esperança, nós seremos salvos pela misericórdia, seremos salvos pelo amor, um amor que irá destruir em nós toda mancha de maldade. EEntão no último dia acontecerá a salvação. Essa é a nossa esperança. O Senhor irá pisar na maldade, na injustiça que fizemos e sofremos. Enquanto isso comecemos a pisar na nossa injustiça diária, comecemos a usar a Palavra de Deus como espada; não se esqueça da sua vocação. Faça a diferença. Magnanimidade – recorde-se da grandeza de sua vocação. Humildade – recorde-se do quanto você está longe dela.
Transcrição: Nara Bessa
Fotos: Robson Siqueira
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