A palavra de Deus que é vida para nós visitou São Paulo. Continuemos a reflexão sobre Paulo. Hoje de manhã o padre José Augusto falou da conversão de Paulo. Na segunda pregação eu recordava que a experiência de Paulo foi de morte e ressurreição. São Paulo diz que foi como que crucificado com Cristo na cruz. Mas como a pessoa pode ter coragem de dizer isso? É a experiência do amor de Deus e a fé. Gálatas 2, 20: “Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim. Minha vida atual na carne eu a vivo na fé.”
Muitos de nós já fizemos uma experiência do amor de Deus. Mas o problema é que a experiência do batismo no Espírito Santo é algo muito bom, mas que evapora. Isso quer dizer que tudo aquilo que é sentimento ou experiência humana é passageiro. Os sentimentos são efêmeros, não permanecem. Mas a fé no amor de Deus deve permanecer para sempre. Eu preciso crer nisso: Ele me amou. É preciso fazer uma distinção entre sentir o amor de Deus e crer no amor de Deus. No início fazemos uma experiência, mas depois Deus tira a "mamadeira". É porque Ele quer que cresçamos espiritualmente. Começamos então a caminhar na fé, sem sentir a presença de Deus.
O tema do acampamento: "Com Cristo fui pregado na cruz" fala da experiência de Paulo. Ele diz que a vida atual na carne, ele vive na fé, crendo em Jesus. Quando fui seminarista em Roma, estava no refeitório e comigo estava um bispo da Bahia. Era véspera da festa de São Januário, que foi um santo decapitado, no sul da Itália. Eles colheram o sangue dele e guardaram numa ampola de vidro. Todos os anos na festa de São Januário esse sangue vira líquido outra vez, na catedral de Nápolis. Estávamos, portanto, comentando esse milagre na mesa e alguns diziam que não acreditavam, outros que acreditam. E aquele bispo ao meu lado disse: "Eu não posso ter fé no milagre de São Januário! Eu não posse ter fé porque eu vi, eu estava lá. Eu vi quando aquela ampola seca começou a se liqüefazer. Vi quando o bispo pegou a ampola e se aproximou do túmulo onde ele está sepultado. Aquele sangue seco voltou a ficar líquido".
Fé, portanto, é acreditar naquilo que não se vê. Assim também nós temos que crer no amor de Deus. É preciso um ato de fé. Sim, você pode ter experimentado o amor de Deus, mas também quando a experiência humana for embora, você pode duvidar. Por isso é preciso crer concretamente no amor de Deus.
Vou percorrer todo um caminho para que você entenda o que é crer no amor de Deus. Gálatas 1, 15: "Deus me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça. Deus me separou desde toda a eternidade." Quando São Paulo tinha mais ou menos 30 anos que ele foi "atropelado" no caminho para Damasco, mas Paulo crê que ele já havia sido separado por Deus desde o ventre materno, desde o início de sua existência.
Deus poderia ter escolhido pessoas melhores do que nós. Podia sim. Mas Ele não quis, porque o preço seria muito alto. Nós, simplesmente, não existiríamos. Vou fazer uma comparação: imagine Deus entrando numa loja bem sofisticada, de vasos preciosos e olhando vaso por vaso: um vaso de ouro, com brilhantes, de porcelana, da China, outro de prata e marfim, de milhões de dólares. Ele, porém, não escolhe nenhum desses vasos. Ao contrário, atravessa a loja, desce até o porão e vai ao banheiro dos empregados e pega um penico, um penico velho, enferrujado, sujo, com moscas ao redor. Esse penico sou eu, é você.
Deus nos escolheu, Deus nos quis. Poderia ter escolhido coisa muito melhor. "Esse penico? E o vaso de marfim, o de ouro?" E Ele diz: "Mas eu não amei nenhum desses vasos preciosos, eu amei você, eu te escolhi." É a eleição de Deus. Éramos vasos da ira, "penicos sujos", mas agora somos vasos da eleição. São Paulo é quem diz. Ele nos escolheu e colocou um tesouro dentro desse "penico sujo", o tesouro do seu amor. Mas nós não aceitamos isso, porque queremos ser amados por nossos méritos. Só aceitamos ser amados se realmente valemos a pena. Parece humilhante sermos amados no meio das nossas misérias, mas Ele nos ama assim mesmo. Ele não espera a nossa conversão para nos amar.
Paulo fez uma experiência de Deus quando ainda não merecia esse amor, no momento em que perseguia Jesus. Ali ele fez a experiência de ser amado. Essa experiência de ser amado quando eu não mereço, é a verdadeira experiência do amor de Deus, o amor que está no Evangelho. Se Deus só nos amasse quando fôssemos santos, estaríamos perdidos. Ele nos ama na nossa miséria, no nosso fracasso, na nossa falta de dignidade. No entanto, somos rebeldes e não aceitamos isso. Às vezes achamos que somos conselheiros de Deus. Mas quem seria o conselheiro de Deus? Certamente não nós. Se fôssemos aconselhar Deus, como seria a nossa vida? Quando queremos comprar um carro vamos à concessionária e escolhemos todos os detalhes. Imagine se Deus colocasse você diante de um computador para você mesmo montar você. Eu tenho certeza que não me montaria desse jeito. "Careca não, esse tórax não." Quanto à alma, também escolheríamos ser mais inteligentes, mais talentosos. Eu escolheria ser pianista, como minha mãe.
Se nós pudéssemos nos montar, seríamos diferentes. E aí está a rebeldia. Nós queremos ser os conselheiros de Deus. "Se eu fosse Deus, faria diferente." É uma prepotência tamanha. Não somos conselheiros de Deus. Ele, o Deus de bondade, sabe o que é melhor. Preciso crer que Deus fez bem em me querer, me escolher. Eu não teria me escolhido, mas eu preciso crer que fui a melhor escolha.
Tenho que ser humilde diante da infinita sabedoria de Deus e dizer: "Senhor, sabeis mais do que eu. Amém ao vosso santo desígnio. Fizestes muito bem ao me criar." É o primeiro passo para crer no amor de Deus: Deus fez bem em me criar assim, com todos esses "defeitos de fábrica". Ele preferiu criar essa humanidade frágil do que nós não existirmos. Creia que Deus escolheu você porque o amou. Se você crê nisso pode se dar de presente para os outros.
Às vezes achamos que São Paulo era um super pregador. Mas não é isso que ele mesmo diz. Na segunda carta aos Coríntios ele diz que não sabe pregar. Nos Atos dos Apóstolos, um rapaz estava ouvindo sua pregação, cochilou, caiu da janela e morreu. São Paulo então rezou e ressuscitou o menino. Mas Paulo foi um grande pregador porque pregava com a vida, com sua entrega, com seu desprendimento em viver a Palavra de Deus. Ele passou por flagelações, apedrejamentos, naufrágios, vários perigos, ficou dias em alto mar. O que levava esse homem a atravessar o mundo? O amor de Deus que o impulsionava.
Uma vez que descobrimos como fomos amados, eleitos, escolhidos, queremos levar essa notícia a outras pessoas. Mas não somente isso: você quer se dar de presente aos outros. Quando você vai dar um presente a alguém com certeza escolhe sempre o melhor. Por isso que, para você se doar de presente a alguém precisa estar convencido de que você vale a pena. O ciúme no casamento, por exemplo, é um exemplo de insegurança pessoal: quando o homem tranca a mulher em casa é como se ele achasse que qualquer homem é melhor do que ele.
Quando faço uma experiência de Deus, começo a crer que eu valho a pena. Crer no invisível. Olho para mim e não vejo que vale a pena. Humanamente falando, eu não valho, não deveria existir. Se eu tivesse que escolher alguém para nascer, não me escolheria. Mas creio que Ele escolheu bem, porque Ele vê o que eu não vejo, na sua sabedoria infinita. Assim como não vejo a presença de Jesus na Eucaristia, mas creio. No livro Introdução ao Cristianismo, o Papa Bento XVI, diz: "O invisível é mais importante do que o visível".
Quando vejo a minha miséria mas creio no amor de Deus por mim, posso me dar de presente para os outros. Vou partilhar um segredo: No PHN eu estive aqui, o Centro de Evangelização lotado, cheio de jovens e eu pregando naquele encontro, os jovens aplaudindo, parecia um show de rock, e eu aqui na frente. Naquele momento Deus permitiu que eu me sentisse um monte de esterco, estrume mal cheiroso, com moscas ao redor e o povo aplaudindo. Eu pensava: se eles soubessem quem eu sou, a minha miséria, não estariam me aplaudindo. Se eles vissem a minha alma não estariam me aplaudindo. Mas eles estavam aplaudindo o tesouro de dentro, escondido dentro da minha miséria.
Tenho que crer que Deus colocou um tesouro dentro desses vasos de ira que somos e nos transformou em tesouros de eleição. É por isso que podemos nos dar de presente. Deus nos ama e a experiência extraordinária de sermos amados por Deus é que permite que nós nos demos de presente aos outros. Pare de andar nessa vida cobrando amor dos outros. Você não precisa do amor de ninguém, você já é amado. "Ah, mas eu não sinto!" Simplesmente creia! Olhe para a sua miséria, mas olhe para o coração de Deus e veja que é amado além dessa miséria. Não seja rebelde, não queira aconselhar Deus a refazer você.
E como essa "segurança do amor de Deus por mim" influencia na nossa vida. Quando somos seguros de que valemos a pena, sabemos que não seremos trocados por ninguém. Sei que sou um presente. Isso muda completamente a vida familiar. Deixamos de ficar cobrando uns aos outros. Nossa vida familiar às vezes vira um inferno porque ficamos recriminando uns aos outros, colocamos a culpa uns nos outros porque não nos sentimos amados. O amor precisa ser crido e não sentido. Se não, duvidamos até do amor da nossa mãe por nós.
É preciso crer no amor. Se você não crê no amor de Deus, também não vai crer na entrega d'Ele na cruz. Vai achar que tudo é uma bobagem. São Paulo aos Gálatas diz: "minha vida atual na carne eu vivo na fé, crendo no filho de Deus que amou e se entregou por mim." Santa Terezinha diz: "se eu fosse a única pecadora do mundo, mesmo assim Jesus teria padecido por mim." Você não é amado numa multidão. Não dilua o amor de Deus em uma multidão. Tudo foi por mim, por você. Por que Ele fez tudo isso? Porque quer passar a eternidade conosco.
Estamos esquecidos do céu. Em todos os tempos da Igreja os cristãos se preocupavam com a salvação das almas. Era por isso que atravessavam os mares. No século XX, os salesianos foram para o Mato Groso. Saíram da Itália para Cuiabá. Naquela época, década de 30, sair da Europa e ir para Cuiabá era algo impensável. Vieram de navio, depois pegaram vários barcos. Quando saíram da Itália disseram: "papai, mamãe, adeus, nós nos veremos no céu." De fato, muitos nunca mais viram o pai e a mãe. Isso é fé! É crer que a vida invisível que nos espera no Céu vale mais que a vida visível.
Fé é crer que a felicidade eterna junto aos meus pais no céu é muito melhor que a convivência com eles na terra. Foi isso que levou São Paulo a se derramar em libação (sacrifício de um líquido derramado). Essa é a coragem de tantos santos e santas de Deus que atravessaram mares para levar o Evangelho. Vale muito mais a vida do céu.
Muitos querem que a Igreja permita que os padres se casem. Mas se isso acontecesse, a pregação dos padres iria perder muito do seu poder, sua eficácia. Como dizer que a felicidade do céu é maior se eu já antecipo um gozo aqui na terra com minha família? Eu preciso testemunhar que a felicidade do céu é capaz de fazer com que eu me entregue a Ele por inteiro. É a fé no céu. Somente assim vai ter sentido todo o sacrifício que temos que fazer pelos outros.
Se não há ressurreição, vamos apenas aproveitar a vida. Mas se existe o céu, eu posso dar de presente a minha vida para os outros, porque terei outra vida para viver e posso assim, desprezar essa vida aqui na terra, posso entregá-la de presente. É essa a verdadeira experiência vocacional e a experiência de ser família também. É doação: creio que Deus se doou por mim e por isso me dou de presente aos outros, crendo na vida que nos espera na eternidade.
Peçamos ao Senhor que venha confirmar a fé que temos no seu amor. A fé é uma virtude. É preciso repetir o ato de fé até que se torne um hábito. É preciso crer no amor de Deus. Coloque-se debaixo do olhar de Deus. Ele olha para você e vê a sua miséria. Sinta-se olhado e veja que você não merece esse amor. Pense nas razões pelas quais você escolheria ser outra pessoa, viver outra vida e diga: "Senhor eu creio, mas aumentai a minha fé. Senhor, eu olho para mim e não entendo porque vós me escolhestes. No entanto, Senhor, eu creio. Fizestes bem em me querer, em me escolher. Foi bom que me chamastes para caminhar nesta vida, na fé do vosso amor. Não vejo, não sinto, mas eu creio nesse amor. É um ato de vontade unido à vossa graça. Amém ao amor de Cristo que me alcançou no meio dos meus pecados, da minha miséria. Sei que me chamastes para uma vida ao vosso lado no céu. Eis-me aqui Senhor."
Transcrição: Thaysi Santos
(12) 3186- 2600