“Com amor eterno eu te amei…” (Jr 31,3). São com essas palavras que o Senhor se dirige a Seu povo. São também as palavras com que Ele interpela cada um de nós até hoje. O amor do Pai para conosco desde sempre é eterno. Ele nos ama como “filhos no Filho”.
Na origem da existência de cada um de nós, há um ato de bondade gratuita de Deus, que quer comunicar um tanto de sua vida e bem-aventurança a seres tirados do nada.
O nosso Catecismo se inicia dizendo que “Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de Sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isso por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. N’Ele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, Seus filhos adotivos e, portanto, os herdeiros de Sua vida bem-aventurada”.
Essa verdade básica da mensagem cristã – o amor de Deus por nós – é, às vezes, apagada em nós por causa das tribulações e adversidades que parecem contradizer ao amor divino. Mas a fé nos diz que Deus nos ama como Pai. O pecado entrou na nossa história e com ele a dor e a morte, mas Deus não nos abandonou ao poder do mal e da morte. Jesus veio a nós para mostrar o amor de Deus, ensinar-nos o caminho e ser exemplo.
Deus disse ao rei Salomão, depois de este ter consagrado o Templo de Jerusalém: “Se meu povo, sobre o qual foi invocado o meu nome, humilhar-se; se procurar minha face para orar, se renunciar ao seu mau procedimento, escutarei do alto dos céus e sanarei sua terra. Doravante, meus olhos estarão abertos e meus ouvidos atentos às preces feitas neste lugar, pois, para o futuro, escolho e consagro este Templo para que meu nome nele resida para sempre; meus olhos e meu coração estarão nele para sempre (2 Cron 7,14-16).
O Senhor não nos abandona; mas temos de corresponder aos dons que Ele nos dá, sobretudo o tempo, o hoje de nossa vida.
Começaremos mais um ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, como se dizia antigamente, porque o tempo e a história pertencem ao Senhor. E ele nos foi dado para vivermos na amizade de Deus e buscar a vida eterna com Ele. Começamos o ano com a Solenidade de Maria, Mãe de Deus, que tudo pode por graça de Deus. Ela nos acompanhará o ano todo.
O grande dom que Deus nos dá é o tempo, o hoje em que vivemos. Precisamos aproveitar o tempo como um tesouro, que é para aprimorar a nossa vida nas virtudes: humildade, simplicidade, desapego, bondade, pureza, mansidão, temperança, autodomínio, diligência, etc.
O grande bispo francês de Meaux, J. B. Bossuet (†1704) dizia: “Cada momento de nossa existência, cada respiro, cada batida do nosso pulso, se assim posso dizer, cada clarão de nosso pensamento tem consequências eternas. Essa história sem igual nos será um dia apresentada, e será apresentada a todo o universo”.
A Escritura diz que o homem é chamado a “ver Deus face a face” (cf. 1Cor 13,12): essa visão ocorrerá realmente, na medida do amor com que a cada um de nós terminar a sua caminhada terrestre. Daí a importância de se viver cada minuto em amor a Deus e ao próximo. Não podemos ficar estagnados, jogando tempo fora. É no tempo que podemos fazer o bem, trabalhar, lutar, merecer… O tempo pode parecer a muitos sem gosto e até sem valor, sem sentido, diante da rotina do dia a dia, mas a Palavra de Deus fala dele como caminhada de peregrinos que deixam aquilo que é precário em busca do Absoluto ou da pátria definitiva.
A palavra dita, a flecha atirada e o tempo perdido
São Paulo compara a nossa vida a uma semeadura, cuja colheita ocorrerá no além, de modo que “quem semeia pouco, colherá pouco, e quem semeia muito, colherá muito” (cf. Gl 6,7s; 2Cor 9,6). Cada segundo do nosso tempo tem seu eco na vida definitiva, é no tempo que construímos nossa eternidade.
Dom Hélder Câmara escreveu algo significativo: “Quando teu navio, ancorado muito tempo no porto, te deixa a impressão enganosa de ser uma casa. Quando teu navio começar a criar raízes na estagnação do cais, faze-te ao largo. É preciso salvar a qualquer preço a alma viajora de teu barco e tua alma de peregrino”.
O fim e o começo de um ano lembram sempre a passagem do tempo. “Como voa!”, costuma-se exclamar. Segundo Ap 10,6, um anjo proclamará certa vez: “Já não haverá mais tempo!”.
Essas palavras trarão alegria a quem tiver lutado e se libertado dos vícios e pecados, e estiver feliz por ter preenchido santamente os seus dias. Mas poderão despertar com susto e tristeza quem for colhido de surpresa e despreparado. Muitas vezes, só damos valor aos valores que temos, depois que desaparecem. Assim também é o tempo. Pode parecer insignificante – muitos procuram “passatempos” ociosos, mas, uma vez perdido, aparece com todo o seu valor. O tempo não volta. Diz a Escritura que três coisas são irrecuperáveis: a palavra dita, a flecha atirada e o tempo perdido.
O começo de um Ano Novo nos leva a refletir sobre esses fatos. Para o cristão, o tempo é o valor básico, pois sem ele nenhum outro valor pode existir. São Paulo nos lembra que esse é “o tempo favorável, o dia da salvação” (2Cor 6,2). Por que tão importante? Porque nas 24 horas de cada dia já se iniciou o Reino de Deus. Consciente disso, dizia São Paulo: “O tempo se fez breve” (1Cor 8,29).”
“Hoje, se ouvirdes a sua voz não endureçais o coração…” (Sl 94). O cristão precisa crescer não somente em número de anos passageiros, mas também em méritos e valores definitivos. Essa vida é como uma antecâmara da vida plena, de tal modo que na terra aprontamos nossa veste nupcial para a ceia da vida eterna (cf. Ap 21,2).
Deus conhece a fragilidade humana e diariamente lhe renova a sua graça e misericórdia, a fim de que o fiel hoje proceda melhor ainda do que ontem. Deus tem paciência conosco, mas não podemos abusar da Sua misericórdia.
O cristão tem sede do Infinito, e por ser elevado à comunhão com o próprio Deus pela graça santificante, “participando da natureza divina” (cf. 2Pd 1,4), tem sede de algo melhor do que os bens desta vida que seduzem e enganam. Quem se deixa iludir por eles é comparável a um viajante que, olhando para a direita e a esquerda, é atraído pelas flores e os pássaros e acaba esquecendo a meta a atingir.
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O Senhor nos deu talentos e qualidades
O passado não nos pertence mais, o futuro não está ao alcance de nossas mãos; apenas o Presente é nosso, está à nossa disposição. Pensemos um pouco na parábola dos talentos (Mt 25). O “malandro” foi enterrar o seu talento, por preguiça de fazê-lo multiplicar; os outros trabalharam bem. Esse “esperto” decidiu pelo comodismo; preferiu ficar “matando o tempo” enquanto os outros trabalharam, cansaram, empenharam-se para devolver mais do que receberam; o preguiçoso é o que inutiliza a sua existência.
Mesmo que eu tenha recebido só um talento, é um tesouro de Deus! Tenho de multiplicá-lo. Temos de tirar proveito de todos os nossos talentos, faculdades, sejam poucas ou muitas, que Deus nos concedeu para servir as pessoas e a sociedade.
Não enterre esse talento! Torna-o produtivo, não importa se o resultado for grande, que os homens possam admirar. O que vale é entregar tudo o que somos e possuímos, e fazer o talento render e produzir bom fruto.
Jesus amaldiçoou aquela figueira que estava cheia de folhas verdes, mas que não tinha um só fruto (Mc 11,14). E não era a época de dar figos. O que Jesus quis nos mostrar? É como uma parábola que, certamente, os discípulos entenderam: nós não somos uma figueira, que só dá frutos em uma época, devemos dar frutos sempre, em todas as estações do tempo e da vida. Será que também conosco o Senhor pode se achegar a nós e não encontrar frutos, mas só folhas? Essa passagem do Evangelho pode parecer dura, mas nos ajuda a reavivar a nossa fé, sair da nossa tibieza, do trabalho mal realizado, e dar frutos para Deus em todo o tempo. Mas tudo deve ser feito por Deus, com reta intenção. Se as fizermos por nós, por orgulho, só produziremos folharada; e o nosso fruto não teria valor.
Ninguém deve viver uma vida medíocre, sem dar frutos. Mesmo com os problemas de saúde, de ambiente, de família, até mesmo de deficiências físicas, podemos e devemos dar frutos. Quantos homens e mulheres em cadeiras de rodas nos dão lições de vida! Quantos não têm braços nem pernas nos dão grandes lições de trabalho! Não podemos ficar dando desculpas para esconder nossa fuga do trabalho. Jesus disse: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça” (João 15,16).
Além da graça da fé, o Senhor nos deu talentos e qualidades. E cada um de nós é um indivíduo único, irrepetível, um exemplar exclusivo, com dons próprios para serem colocados a serviço de todos.
Viver a vida com seriedade e responsabilidade
Se fizermos as contas, veremos que, todas as manhãs, são creditados para cada um de nós 86.400 segundos; e todas as noites o saldo é debitado como perda e não é permitido acumular este saldo para o dia seguinte. Todas as manhãs a sua conta é reiniciada, e todas as noites as sobras do dia anterior se evaporam.
Alguém fez esta reflexão:
Para você perceber o valor de um ano, pergunte a um estudante que repetiu de ano. Para perceber o valor de um mês, pergunte para uma mãe que teve o seu bebê prematuramente. Para você perceber o valor de uma semana, pergunte a um editor de jornal semanal. Para perceber o valor de uma hora, pergunte aos namorados que estão esperando para se encontrar. Para você perceber o valor de um minuto, pergunte a uma pessoa que perdeu o ônibus. Para perceber o valor de um segundo, pergunte a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente.
Para você perceber o valor de um milésimo de segundo, pergunte a alguém que conquistou a medalha de ouro em uma Olimpíada. O presente está cheio do passado e repleto do futuro. O bom aproveitamento do dia de hoje é a melhor preparação para o dia de amanhã. O tempo é sagrado, porque o evento da Salvação se inseriu no tempo histórico. Deus nos escutará se vivermos com seriedade e responsabilidade a vida que Ele nos deu e da qual devemos prestar contas a Ele.
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