Nossas enfermidades também são para a glória de Deus

Padre Wagner Ferreira

Padre Wagner Ferreira – Foto: Paula Dizaró / cancaonova.com

O batismo nos confere a identidade e a missão de testemunhas de Jesus Cristo. De fato, por meio das nossas ações e escolhas, devemos resplandecer a luz do Salvador.

Na condição de pessoas humanas, frágeis e limitadas acolhemos a graça de Deus. Hoje, nós temos a oportunidade de refletir sobre a condição humana, pois somos vulneráveis ao sofrimento e, mesmo diante  dessa condição, podemos manter a esperança no nosso Salvador, pois o batismo nos fez vencedores sobre o mal e o pecado.

Somos testemunhas de Cristo

O mistério do sofrimento nos atinge, porém, precisamos ter a clareza de que: com a fé em Jesus Cristo não estamos imunes, mas, com Ele, somos mais do que vencedores.

Durante a caminhada quaresmal que realizamos com a Igreja em 2020, nós tivemos como evangelho, no 5° domingo da Quaresma, o de João 11, onde é narrado a ressurreição de Lázaro:

“1.Lázaro caiu doente em Betânia, onde estavam Maria e sua irmã Marta. 2.Maria era quem ungira o Senhor com o óleo perfumado e lhe enxugara os pés com os seus cabelos. E Lázaro, que estava enfermo, era seu irmão. 3.Suas irmãs mandaram, pois, dizer a Jesus: “Senhor, aquele que tu amas está enfermo”. 4.A essas palavras, disse-lhes Jesus: “Esta enfermidade não causará a morte, mas tem por finalidade a glória de Deus. Por ela será glorificado o Filho de Deus”. 

Esta é a nossa convicção de fé, como discípulos e discípulas de Jesus, nossos sofrimentos, nossas enfermidades, aquilo que para nós é um absurdo têm, por finalidade, a glória de Deus. 

Jesus sofreu a Paixão, sofreu a Morte e, no terceiro dia, Ressuscitou

Ele continua manifestando ao mundo a glória de Deus. Mesmo nós sendo vulneráveis e frágeis, precisamos, hoje, diante da morte de Jesus, proclamar: “a minha dor, o meu sofrimento é para a glória de Deus”.

Quando a dor física, moral, psicológica, afetiva nos consome é preciso aderir a Jesus Cristo; é preciso assumir, por meio do sofrimento, a glória de Deus. Sofrer sim, mas sem deixar de crer; sem deixar de esperar; sem deixar de amar, eis o segredo do compromisso batismal.

Sofrer sem deixar de amar a Deus e ao próximo

O tema da reflexão desta manhã é exatamente este: nossas enfermidades também são para a glória de Deus. Porém, é preciso uma adesão pessoal, pois sabemos como é difícil suportar a dor e o sofrimento. Ninguém pode escapar da realidade da enfermidade, por isso, é preciso uma adesão pessoal.

Existem tantos testemunhos de santos e santas de Deus acerca do sofrimento, como exemplo, trago o apóstolo São Paulo, em Filipenses 1, 24: Agora me alegro no sofrimento suportado por vós”Quando estiver sofrendo, testemunhe a fé em Cristo no sofrimento.

Sofrer sem deixar de amar nosso Cristo Jesus

Só Jesus garante que o nosso sofrimento seja para a glória de Deus. O segredo de lidar com o sofrimento na dor que nos consome está na fé em Cristo Jesus. No capítulo 1 de Coríntios, versículos 18 a 21, São Paulo apresenta uma bela profissão de fé:

18″A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina. 19.Está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e anularei a prudência dos prudentes (Is 29,14). 20.Onde está o sábio? Onde o erudito? Onde o argumentador deste mundo? Acaso não declarou Deus por loucura a sabedoria deste mundo? 21.Já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura de sua mensagem.”

Seremos impregnados da sabedoria de Deus.

A nossa morte, na Páscoa, torna-se a passagem para glória de Deus.

Apresento a vocês um documento do Papa João II que se chama: “O sentido cristão do sofrimento humano”, escrito em 1984: “18 – Realizando a redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou o sofrimento humano ao nível de redenção”.

Todos com o seu sofrimento pessoal podem tornarem-se participantes do sofrimento de Cristo. São Paulo, em II Coríntios 2, 7 – 12, nos diz:

“7.Porém, temos este tesouro em vasos de barro, para que transpareça claramente que este poder extraordinário provém de Deus e não de nós. 8.Em tudo somos oprimidos, mas não sucumbimos. Vivemos em completa penúria, mas não desesperamos. 9.Somos perseguidos, mas não ficamos desamparados. Somos abatidos, mas não somos destruídos. 10.Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo. 11.Estando embora vivos, somos a toda hora entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus apareça em nossa carne mortal. 12.Assim em nós opera a morte, e em vós a vida.”

Em Cristo Jesus as nossas dores têm sentido

À medida que trazemos, em nós, a profissão de fé em que nós também participamos da morte e ressurreição de Jesus, as nossas dores começam a terem sentido.

Leiamos juntos a passagem que está em Romanos 8,15 – 19:

“15.Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai! 16.O Espírito mesmo dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus. 17.E, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo, contanto que soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados. 18.Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada. 19.Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus.”

É claro que, pela graça do batismo já nos tornamos concidadãos dos santos, na mesma proporção que, no dia a dia, assumimos o compromisso com a vocação batismal. Cristo conquistou para nós a vida eterna, porém, Paulo nos deixa claro que: é preciso sofrer com Cristo para que, com Ele, sejamos glorificados.

Durante a Quaresma de 2020, na Igreja do Brasil, refletimos o tema proposto pela CNBB: “Fraternidade e vida, dom e compromisso”; o lema foi retirado do evangelho de São Lucas, capítulo 10, versículo 25, a parábola do bom samaritano.

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É preciso ter presente que Jesus é o Bom samaritano da humanidade

Jesus não veio para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por Ele. Essa salvação que estamos meditando e celebrando neste Tríduo Pascal, ela nos foi dada gratuitamente por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Basta crer, esperar e amar a Cristo Jesus. Ele serviu com os dons da salvação toda a humanidade.

Inspirada no evangelho do bom samaritano, a campanha da fraternidade de 2020 tem como lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”.

Se tiver a oportunidade, leia o capítulo 7 do documento Salvifici Doloris, do Papa São João Paulo II. Destaco este parágrafo:

“O Bom Samaritano da parábola de Cristo não se limita, todavia, à simples comoção e compaixão. Essas transformam-se para Ele num estímulo para as ações que tendem a prestar ajuda ao homem ferido. Bom Samaritano, portanto, é, afinal, todo aquele que presta ajuda no sofrimento, seja qual for a sua espécie; uma ajuda, quanto possível, eficaz. Nela põe todo o seu coração, sem poupar nada, nem sequer os meios materiais. Pode-se dizer mesmo que se dá a si próprio, o seu próprio “eu “, ao outro. Tocamos aqui um dos pontos-chave de toda a antropologia cristã. O homem ” não pode encontrar a sua própria plenitude a não ser no dom sincero de si mesmo”. (92) Bom Samaritano é o homem capaz, exatamente, de um tal dom de si mesmo.”

Para que as nossas enfermidades tenham, por finalidade, a glória de Deus é preciso ter a coragem de imitar o Cristo Bom Samaritano, sabendo que é possível sofrer e, apesar do sofrimento, amar, ajudar e socorrer os mais necessitados.

Que nesta Sexta-Feira da Paixão possamos rever as nossas escolhas! Reflitamos: “Quando sofro e passo por tribulações, eu simplesmente sofro como vítima ou procuro sofrer sem deixar de crer, esperar e amar?

Isto é santidade: saber chorar com os outros

Na exortação Gaudette et Exultate, o Papa Francisco medita sobre a santidade, e, no capítulo 3, ele reflete sobre o evangelho das bem aventuranças. Destaco e leio para você os parágrafos 75 e 76:

  1. O mundo propõe-nos o contrário: o entretenimento, o prazer, a distração, o divertimento. E diz-nos que isto é que torna boa a vida. O mundano ignora, olha para o lado, quando há problemas de doença ou aflição na família ou ao seu redor. O mundo não quer chorar: prefere ignorar as situações dolorosas, cobri-las, escondê-las. Gastam-se muitas energias para escapar das situações onde está presente o sofrimento, julgando que é possível dissimular a realidade, onde nunca, nunca, pode faltar a cruz.
  2. A pessoa que, vendo as coisas como realmente estão, se deixa transpassar pela aflição e chora no seu coração, é capaz de alcançar as profundezas da vida e ser autenticamente feliz.[70] Esta pessoa é consolada, mas com a consolação de Jesus e não com a do mundo. Assim, pode ter a coragem de compartilhar o sofrimento alheio, e deixa de fugir das situações dolorosas. Dessa forma, descobre que a vida tem sentido socorrendo o outro na sua aflição, compreendendo a angústia alheia, aliviando os outros. Esta pessoa sente que o outro é carne da sua carne, não teme aproximar-se até tocar a sua ferida, compadece-se até sentir que as distâncias são superadas. Assim, é possível acolher aquela exortação de São Paulo: «Chorai com os que choram» (Rm 12, 15).

O Papa Francisco termina esse parágrafo com esta frase tão rica: “Saber chorar com os outros: isso é santidade”.

Tenhamos, então, a clareza de que não somos imunes ao sofrimento, porém, nossos sofrimentos e enfermidades, unidos à Cristo, manifestam a glória de Deus.

Transcrição e adaptação: Saulo Macena

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