A beleza da música nos pede que cada coisa tenha seu rito e seu ritmo
“Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los. À tarde, depois do pôr do sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu em frente da casa. Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era. De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto.
Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. Quando o encontraram, disseram: “Todos estão te procurando”. Jesus respondeu: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim”. E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios” (Mc 1,29-39).
A nossa missão de músicos não se resume somente ao nosso trabalho na Igreja e na sacristia. Ela deve partir da Santa Missa para a missão, da mística para a ação.
Jesus vai para a casa da sogra de Pedro, e ali a fama d’Ele também já havia se espalhado. O Senhor poderia ter ficado na sinagoga, mas Ele vai a outros lugares onde Ele não era conhecido. Talvez muitos de nós que estamos fazendo “fama” tenhamos estacionado na praça e não vamos a outros lugares. Jesus acordava cedo. E geralmente o músico acorda tarde, porque é à noite que produzimos e fazemos shows. Quando ministramos a música, depois do show a adrenalina vai abaixando e, muitas vezes, vem como que um sentimento de depressão, porque o músico se dá para as pessoas, mas nem sempre recebe algo em troca. O músico dá o prazer da música para as pessoas.
Por isso, cuidado com os afetos! O músico é como o vaso de barro que traz o ouro. O fundador da minha congregação, Léon Dehon, já dizia: “Lugar do povo é na praça!” Precisamos sair da igreja e ir para as praças. Mas depois de ir para a praça também é preciso voltar para a prece. Não dá para cantar sem a mística da oração, não tem como ser humano sem a graça do divino. Este é o princípio dogmático para aqueles que cantam na igreja. É preciso fazer um círculo entre praça e prece. Jesus saía da zona de conforto e ia a lugares que Ele nunca tinha ido.
O Pai que é nosso, e o pão que também é nosso, é sempre esta música e esta prece integral, a nossa música precisa ser integradora. Não separemos a Santa Missa da missão. Assim como não dá para separar a Bíblia das notícias do povo de Deus exibidas no jornal. A nossa espiritualidade não deve ser uma espiritualidade da nuvem, ou seja, vazia. Muitos deixam as outras musicalidades de fora depois que se encontram com Cristo, mas devemos saber o que o povo está cantando para que consigamos produzir uma música com unção.
É preciso nos articularmos, fazer isso é uma arte. A primeira coisa que as pessoas fazem é separar as coisas e não ouvir mais nada [que não seja da Igreja]. Contudo, isso não significa que possamos misturar música de palco com música de Missa. Gosto pessoal não é critério de música litúrgica, não estamos ali para dar glórias ao homem, mas glória a Deus. Missa é Missa; show é show. Mas, infelizmente, tudo está ficando muito igual. A celebração da Santa Missa não é um show! A liturgia tem as suas entregas e seus ritmos celebrativos. Ontem houve um rito no show, uma senquência. Temos a instrução geral da Liturgia das Horas de acordo com o ritmo, a oração da manhã, a da tarde e assim por diante. Até na hora de comer há um rito a ser seguido. Cada coisa tem o seu ritmo próprio. A beleza da música nos pede que cada coisa tenha seu rito e seu ritmo.
Quando a música é ungida ela fica gravada no coração. O padre Zezinho fez a primeira música no ano e no mês em que eu nasci, em 1964. É obrigatório para o músico ler documentos da Igreja sobre a música católica. É preciso estudar, é preciso ensaiar. A nossa música é dez por cento inspiração e noventa por cento transpiração. Nós somos um copo de vidro, em cujo interior precisa haver a água da unção. Se não houver essa “água ungida”, daremos “vidro” para as pessoas comerem. É preciso ter unção.
Quando Nossa Senhora disse, nas Bodas de Caná: “Façam tudo o que Ele vos disser”, e pediu que os servos trouxessem as talhas de água, estes presenciaram a graça do milagre da transformação da água em vinho. Entre a beleza e a técnica, e o céu e a terra, o humano e o divino, há uma porção quantitativa. Quanto mais estudo, tanto mais unção vai haver. Assim como há a dimensão da técnica, se houver a porção quantitativa e qualitativa entre o divino e o humano, o esforço e a unção, a água e o vinho, haverá unção e eficácia.
O ministro de música é um servo inútil, ele faz o que deveria ser feito, o importante é sua música ser lembrada e você esquecido. Bom mesmo é o sucesso sem a fama. O professor eficiente é um comunicador. E professor bom é aquele que ensina e você aprende. O interessante do músico não é quando ele toca e todo mundo fica de boca aberta, mas quando a unção acontece e a música dele incomoda as pessoas para a transformação. A música não é simplesmente uma arte, ela é um dom que precisa tocar os corações.
O Papa Francisco disse uma frase que resume tudo o que refletimos neste evento: “Mais unção e menos função”. Há pessoas aqui que não são ministros de música, mas sim “funcionárias”. O Senhor quer nos dar não apenas uma função, mas uma nova unção. E a unção transborda da reflexão.
Transcrição e adaptação: Jakeline Megda D’Onofrio.