A lei mata, mas a misericórdia refaz a pessoa
Quero conversar um pouquinho sobre essa coisa tão bonita que é a misericórdia, a essência da identidade de Deus.
“Quem ama conhece Deus”. Queremos viver a misericórdia, queremos que o Espírito Santo transforme nosso coração. Temos dificuldade de viver o perdão, porque, quando alguém “pisa na bola” com a gente, nós nos decepcionamos.
O amor de Deus é gratuito
Deus nos perdoa não por decreto, mas porque nos ama. Não existe um catálogo, uma lei para Deus nos perdoar. O perdão é gratuito, Ele perdoa porque nos ama, e só. Mas precisamos nos deixar ser encontrados por Ele. Quando nos deixamos ser encontrados por Deus, colocamo-nos debaixo do seu olhar e temos a oportunidade de ser melhores.
Na caminhada da nossa vida, encontramos fraquezas e misérias. Quantas vezes, no silêncio, no nosso coração, pensamos: “Se eu pudesse fazer de novo! Por que eu fiz aquilo? Se eu tivesse oportunidade, faria diferente!”.
Acho bonita aquela passagem onde Jesus se depara com um grupo de pessoas estudadas, gente da Igreja, que traz para Ele uma mulher pega em adultério. Veja, eram pessoas tão dentro das coisas de Deus, mas precisavam de uma lei.
“Essa mulher precisa ser apedrejada”. É tranquilo julgarmos quando estamos dentro do grupo que julga. Mas Jesus dá a oportunidade também para essas pessoas se verem, se enxergarem.
Perdoo, porque eu também peco
Talvez eu não viva o adultério no verdadeiro sentido da palavra, mas quantos adultérios venho vivendo? Sempre temos um discurso pesado para indicar que o outro errou.
Na verdade, precisamos olhar o quanto somos pecadores. Até dentro da nossa família vivemos a fantasia de uma religião que não é exercício concreto da misericórdia. Pessoas que vivem realidades diferentes daquilo que eu acho que seja o ideal, já os condeno e aparto de mim. Contudo, Cristo olha a situação daquele povo e também da mulher, especialmente daquela mulher.
Quero convidá-los a olhar para ela. Aquela mulher sabe que vai morrer. Todos já a condenaram e ela esperava ser condenada também por Jesus. Mas Ele olha muito mais do que a realidade crua.
Devo preparar meu Ano da Misericórdia
“Aquele que mais recebeu misericórdia entendeu o sentido dessa palavra”.
Ouviremos falar, neste ano, muita coisa bonita sobre a misericórdia e o perdão, mas corremos o risco de não mergulharmos em nada na nossa vida.
Na época de Jesus, muitos atos de bondade e cura eram truncados, presos por causa da lei. Mas o amor não tem essa limitação.
Será que eu acredito no amor? Será que eu acredito que o amor acredita em mim?
O que eu estou preparando para o meu ano, para que, lá na frente, eu diga que valeu a pena? Você precisa ter um projeto de vida. O que eu quero como jovem, como homem, como sacerdote?
Temos um Deus que nos ensina, todos os dias, esse caminho maravilhoso de conhecer a nossa identidade. Jesus não centraliza n’Ele a identidade do reino, mas no Pai. Quando cura, Ele diz: “Vai e te apresenta ao sacerdote”. Ainda nos manda agradecer ao Pai.
O que eu projeto para mim a partir da bondade de Deus? Li, reli, estudei sobre a misericórdia, mas a aplico em minha vida, sou misericordioso?
A Igreja acolhe os pecadores
Papa Francisco diz: ”A Igreja deveria ser a primeira experiência da humildade, e a primeira porta da humildade é reconhecer que somos pecadores”. Assim nos abrimos à misericórdia de Deus.
Na confissão, é claro que passamos pelo crivo da vergonha, não é agradável falar dos nossos pecados. Há pessoas que, quando chegam para confessar, me diz: “Ah padre, o senhor vai brigar comigo”. Esse não é o papel do padre. O padre deve ser de acolhimento.
Quando você encontra o sacerdote, aquele que é instrumento do Senhor, e ouve dele: “Que bom que você voltou para a casa do Pai! Que bom que você está aqui!”. Aí você diz: “Ah, padre, como é bom, né?”.
Se você tem muita dificuldade de confessar, então eu lhe dou uma dica: Faça de tudo para não pecar. Pecado é pecado, não tem pecadinho ou pecadão. Traga para sua consciência: fiz errado e preciso pedir perdão.
Uma nova oportunidade de vida
Aquela mulher, diante de Jesus, viveu o perdão. As pessoas foram se afastando dela e ela ficou apenas com Jesus. Então, vem a expressão bonita d’Ele. “Vai e não peques mais”.
Imagine ela indo para casa, refletindo a nova oportunidade de vida que tem.
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Nós damos mais alimento para o homem velho, para o animal bravo que há dentro de nós. Enchemo-nos de fofocas, intrigas e chateações; damos cada vez mais valor a essas situações.
Amizades, namoros, familiares que nos submetem a uma vida tensa já não são amor.
Casal de namorados que dizem: “Ah, padre, nós mais brigamos do que namoramos, mas estamos juntos”.
Deve ser interessante viver assim, não é? “Mais brigamos do que namoramos, mas estamos juntos”. Não é o meu conceito! Não acho que seja ideal viver assim. Pra que ficar perdendo tanto tempo em passar por isso?
Quando a vida nos cobrar muito, saiba que você está mais cheio de Deus. Ele lhe dá os dons, mas o que você vai fazer com eles? Culpas destroem, arrependimentos libertam.
Deus é processual! Por que Jesus entrou na fila dos pecadores, para ser batizado? Por que Ele não teve receio de começar por baixo, onde está a miséria dos homens.
A santidade nasce a partir dos nossos pecados, da nossa condição de pecador. Um santo se constrói todos os dias.
A misericórdia deve ser uma experiência existencial
Peçamos a Deus a oportunidade de O experimentarmos, de sairmos de uma teoria, de uma teologia e catequese para entrar numa experiência existencial de misericórdia.
Em primeiro lugar, precisamos estar abertos à graça de Deus, darmos nosso tempo, tranquilidade, serenidade, sem pressa, sem algazarra para essa experiência.
Deus nos fala por coisas muito simples.
Samuel, não entendeu a voz do Senhor. Foi preciso que o Senhor lhe chamasse três vezes para que Ele o atendesse. Às vezes, falamos muito, mas Deus nos pede: “Deixe-me falar!”.
Vamos ser bons?
Senhor, faça-me um homem bom, de misericórdia, no trabalho, no estudo e na família.
Bondade não é ser bobo, ser o coitadinho. Bondade é ser justo, é ser sábio. Ao dizermos a verdade, façamos com caridade; não podemos jogar tudo para fora, porque o outro ficará destruído, acabado, e nós sairemos como os “donos da verdade”. Tenhamos a delicadeza de ver o lado do outro, pois amanhã poderá ser você a receber uma palavra de correção.
Que tal fazer um propósito a partir de hoje? O amor acredita em mim!
Cada vez que eu saio de uma confissão, penso: “Vai e não peque mais”. Aqueles homens sabedores, que queriam apedrejar a mulher pecadora, agora aprenderam: “Quem não pecou, que atire a primeira pedra”.
Não deixe que esse Ano da Misericórdia termine sem você fazer nada por si mesmo, sem que seu coração comece a ser fonte de misericórdia.
Transcrição e adaptação: Sandro Arquejada