Com a celebração desta noite, inicia-se o Tríduo Pascal que se encerrará com a celebração das Vésperas do domingo da Páscoa da Ressurreição do Senhor.
Nesta solene celebração, a liturgia nos convida a entrar na dinâmica da graça manifestada por Jesus na última ceia. Ali no Cenáculo, Jesus quis antecipar sua Páscoa de Morte e Ressurreição, instituindo o santíssimo sacramento Eucaristia, o sacramento do seu corpo entregue, doado e do seu sangue derramado pela salvação da humanidade, ou, conforme nos ensina o apóstolo S. Paulo na 2ª leitura, o sacramento da nova aliança.
Na Eucaristia, celebra-se o memorial do evento redentor de Cristo, sua paixão, morte e ressurreição. Justamente por ser um memorial, a eucaristia torna atual, presente, o evento pascal de Cristo; o amor eterno que Deus tem por cada homem, por cada mulher, este amor se revelou na entrega total de Cristo no calvário, e cada um de nós pode, pela fé, ser tocado e transformado por este mesmo amor, porque ele é atualizado sempre quando nos reunimos em torno do altar da Eucaristia.
Não é à toa que o evangelista S. João, ao narrar o que Jesus e seus discípulos viveram na última ceia, antes da festa da Páscoa dos judeus, começa tal narrativa evidenciando o amor de Jesus pelos seus que estavam no mundo: “Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”; amou-os ao extremo de se entregar na Cruz.
Só a fé neste amor de Jesus nos possibilita crer no mistério pascal de Cristo, que se atualiza no sacramento da Eucaristia, e é somente esta fé pascal que nos possibilita experimentar o amor de Deus revelado no drama da Cruz do Senhor.
É interessante percebermos que o apóstolo S. Paulo, na 2ª leitura, destaca a relação estreita que há entre a morte de Jesus e os gestos eucarísticos que o Cristo teve na última ceia: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória’. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em minha memória’”.
Na última ceia, Jesus dá um sentido novo ao evento pascal dos hebreus, como ouvimos na 1ª leitura, neste trecho do livro do Êxodo. A páscoa dos hebreus é celebrada para fazer memória do gesto salvífico do Deus de Israel, o qual, por amor a seu povo e por intermédio de seu servo Moisés, libertou o povo hebreu da escravidão do Egito. Jesus é o novo cordeiro, cujo sangue derramado nos garante a libertação da pior de todas as escravidões, a escravidão do pecado, raiz de todo o mal.
Sempre quando a Igreja celebra o sacrifício eucarístico, torna-se presente o mistério do amor de Deus revelado na entrega de Jesus no calvário. É o memorial do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Do cordeiro, cuja entrega na Cruz nos garante a comunhão com a própria vida de Deus, capacitando o coração de cada um de nós para amarmos uns aos outros como ele nos amou.
E aqui entra a beleza do gesto do Senhor e Mestre que, ao instituir a eucaristia na última ceia, quis ensinar os discípulos o critério da autenticidade de uma vida verdadeiramente eucarística.
O servo de Deus, João Paulo II, em sua carta apostólica “Mane nobiscum Domine”, por ocasião do Ano da Eucaristia – outubro de 2004 a outubro de 2005 –, afirma que a Eucaristia traz em si um impulso que nos motiva “ao empenho eficaz na edificação de uma sociedade mais justa e fraterna”. Continua João Paulo II: “Na Eucaristia, o nosso Deus manifestou a forma extrema do amor, invertendo todos os critérios de domínio que muitas vezes regem as relações humanas e afirmando de modo radical o critério do serviço: «Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos» (Mc 9,35). Não por acaso, no Evangelho de João não encontramos a narrativa da instituição eucarística, (como fazem os evangelhos sinóticos de Mt, Mc e Lc), mas a do «lava-pés» (cf. Jo 13,1-20): inclinando-Se para lavar os pés dos seus discípulos, Jesus explica de modo inequívoco o sentido da Eucaristia”.
“Por que não fazer então deste Ano da Eucaristia um período em que as comunidades diocesanas e paroquiais se comprometam de modo especial a ir, com fraterna operosidade, ao encontro de alguma das muitas pobrezas do nosso mundo? Penso no drama da fome que atormenta centenas de milhões de seres humanos, penso nas doenças que flagelam os países em vias de desenvolvimento, na solidão dos idosos, nas dificuldades dos desempregados, nas travessias dos imigrantes. (…) Não podemos nos iludir: pelo amor mútuo e, em particular, pela solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo”. Não é à toa que o papa emérito Bento XVI dedicou uma de suas exortações apostólicas pós-sinodais ao tema da eucaristia: “Sacramentum caritatis”, o sacramento do Amor.
Irmãos e irmãs, ao instituir o sacramento da Eucaristia, Jesus instituiu o sacerdócio ministerial. Desde os seus inícios, a Igreja compreende que há um vínculo profundamente estreito entre Eucaristia e Sacerdócio.
Nestes dias, em nossas Igrejas locais, os bispos celebraram a Missa do Santo Crisma, na qual, além da benção dos santos óleos, os padres puderam renovar suas promessas sacerdotais, com um desejo ardente de exercer no mundo em favor do povo de Deus o sacerdócio de Cristo, o Bom Pastor.
Na manhã de hoje em Roma, o Santo Padre, o Papa Francisco, em sua homilia na Missa do Santo Crisma afirmou categoricamente que o padre precisa aprender com Jesus a sair de si mesmo. E continua: “Quem não sai de si mesmo, em vez de ser mediador, torna-se pouco a pouco um intermediário, um gestor. A diferença é bem conhecida por todos: o intermediário e o gestor «já receberam a sua recompensa». É que, não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração; e daqui deriva precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes, padres tristes, e transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades ou então de novidades, em vez de serem pastores com o «cheiro das ovelhas» – isto vo-lo peço: sede pastores com o «cheiro das ovelhas», que se sinta este cheiro –, serem pastores no meio do seu rebanho, e pescadores de homens”.
Enfim, a Campanha da Fraternidade deste ano coloca em relevo a Juventude. É aos jovens que dirijo minha palavra no final desta homilia. Jovens, não tenham medo do amor de Jesus, não tenham medo de se deixarem amar por Jesus. A humanidade muitas vezes conturbada pela violência, pela guerra, pela miséria, pelo desrespeito à dignidade da vida humana, o desrespeito à dignidade da família, que nasce do matrimônio entre um homem e uma mulher, esta mesma humanidade espera por você, jovem, que, tocado pelo amor de Jesus saiba amar, lavando os pés de seus semelhantes. É preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã. Ame como Jesus, e você não se arrependerá.
Transcrição e adaptação: Elcka Torres