Na Carta de São Paulo aos Hebreus, no capítulo 1, vemos a história de um Deus que quer, a todo momento, provar para você e para mim que Ele fala ao nosso coração por meio das coisas mais simples. Contudo, a cada vez que o coração do homem fica surdo, ele começa a trilhar um caminho que o afasta do Senhor. De vários modos o Senhor tentou falar com o povo e usou os profetas, que representavam Sua exortação e correção.
Chegado um determinado momento, aquela tentativa de Deus, de falar com Seu povo por meio dos profetas, agora pode ser feita por intermédio do Profeta pleno: Jesus Cristo. N'Ele, a comunicação com o Pai é perfeita, porque Aquele que anuncia, o faz por completo. Jesus é a perfeita comunicação, porque anuncia o que viu e viveu com Deus Pai. É a perfeita comunicação com esse Deus que foi criando um espaço, um tempo de relacionamento para falar com o homem. Ele sustenta o universo com Sua Palavra poderosa.
O primeiro verbo usado para falar da ação de Deus fala da criação. Desde o princípio, o Senhor fala e tudo o que foi criado é consequência desse amor, expressado em palavras e atitudes.
Deus, quando fala, Suas palavras se transformam em ação. No Gênesis, por diversas vezes, lemos: “Deus disse: faça-se a luz”. “Deus disse: Faça-se um firmamento entre as águas, separando umas das outras”. “Deus disse: Juntem-se num único lugar as águas que estão debaixo do céu, para que apareça o solo firme”… Todo o processo da criação tem como refrão essa parte: “Deus disse”. Mas será que o Senhor se cansou de nos falar ou nós que fizemos um caminho pelo qual desaprendemos a ouvi-Lo? O coração que desaprendeu de ouvir a Deus, experimenta o próprio inferno, por outro lado, o coração que O escuta experimenta o paraíso. O coração que não ouve o Pai, experimenta a escuridão, a solidão.
Depois de criar todas as coisas, Deus criou o homem e o colocou no paraíso; um espaço de comunhão para falar com o homem. No entanto, de acordo com o relato do Gênesis, depois que criou Adão e Eva, o Todo-poderoso disse a eles o que podiam e não podiam fazer, mas o coração do homem deixou de ouvir a voz do Senhor quando passou a ouvir a voz da serpente. Nesse momento, eles abriram os ouvidos para ouvir outras vozes e começaram a ter medo do Senhor.
Quando, no nosso coração, abrimos espaço para ouvir outras vozes, passamos a ter medo d'Aquele que, o tempo todo, vive um esforço para falar conosco. As outras vozes criam uma mentira em nosso coração e nos afastam de Deus.
Por que é tão mais fácil uma criança rezar do que um adulto? Porque a criança tem o coração mais puro, mais perto do Senhor. Sabe qual é o outro sintoma de quem deixa de ouvir o Pai? Culpar os outros. Adão culpou Eva por seu erro. Quem opta por não escolher a voz de Deus, escolhe a mentira. Por outro lado, o coração que escuta a Deus estende a mão para a comunhão. Assim, em Gênesis, vemos a primeira briga de casal entre Adão e Eva, porque deixaram de ouvir o Senhor.
Sabe qual o mais complicado de tudo isso? É que colocamos a culpa em Deus, pois achamos que Ele não nos ouve, porque não diz aquilo que queremos ouvir.
Nós temos dois ouvidos e uma boca. Isso significa que temos de ouvir mais do que falar. A boa obediência é preparada por uma boa escuta. Como vamos obedecer bem se escutamos mal? Essa é a bagunça que o pecado faz. Daí começamos a viver a aridez de um Deus que fala com todos, menos conosco. Quando falamos demais, Deus se cala. Mas se temos a coragem de nos aproximar, de nos expor, o Senhor fala conosco.
Rezemos assim:
“Senhor Jesus, eu quero reaprender a escutá-Lo. Ensine-me a escutar, porque eu falo muito e escuto pouco. Retira-me, Senhor, neste tempo, do meio do barulho, do meio do caos. Eu quero escutá-Lo, Senhor”.
Sabe qual a maior dificuldade para ouvir a Deus que fala? É justamente o caminho de busca que fazemos, porque o Senhor não é como uma máquina que você aperta e Ele fala. Existe um tempo, uma preparação de gestos e atitudes, de um Deus que usa não só de vitórias e conquistas, mas também de derrotas e dores para falar conosco.
Hoje, nós estamos no primeiro dia depois da Quarta-feira de Cinzas, de um tempo favorável para preparação da conversão, um tempo de escuta, porque quem escuta se converte. Se nós não escutamos a Deus, não sabemos de que forma O estamos desagradando. Por isso, o tempo da Quaresma é um tempo mais quieto, mais calmo.
Deus fala conosco, mas precisamos entrar num processo de reeducação da nossa escuta. Não é verdade que em nossas casas as coisas se complicam quando não temos diálogo? Muitas vezes, transformamos a capela e a Sagrada Escritura num balcão de reclamações, e saímos de lá vazios, porque só nós falamos; Deus não.
A Quaresma é o tempo que a Igreja nos concede para ouvirmos a Deus Pai. As coisas mais importantes da vida acontecem no silêncio.
Transcrição e adaptação: Michelle Mimoso
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